Dona Doida

Uma vez, quando eu era menina,

choveu grosso
com trovoadas e clarões,

exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe,

como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho,

angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus

e estou voltando agora,
trinta anos depois.

Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta,

riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil

e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.


Adélia Prado

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